Os impactos do discurso na preservação do meio ambiente
BOSCH,
Hieronymus. O Jardim das Delícias Terrenas. Óleo sobre madeira.
1504. Museu do Prado, Madrid. 220x389.
Fagner Alexandrino da Silva
Quase
todos os dias, ao nos depararmos com os noticiários, vemos
informações relacionadas às mudanças climáticas advindas do
fenômeno conhecido como aquecimento global. Apesar de seus graves
efeitos serem bastante divulgados, muitos ainda têm a impressão de
que podem continuar desfrutando eternamente de seu estilo de vida
consumista, afinal trata-se de uma “realidade distante”. Alguns
ainda acreditam que basta apenas adotar medidas simples no cotidiano,
como por exemplo: trocar as lâmpadas comuns por lâmpadas de LED,
utilizar painéis solares, usar o transporte público ou ainda
comprar produtos locais. De fato, todas as medidas adotadas para
proteger o meio ambiente e amenizar os efeitos do aquecimento global
são válidas, porém o que ainda não foi percebido é que tais
medidas por si só não são suficientes para afastarmos as terríveis
consequências do aquecimento global, já previstas pela comunidade
científica.
A
temperatura média da Terra é de 15º C, porém ela tem se elevado
cada vez mais. Seu aumento foi de 1,02º C nos últimos três
séculos. Recentemente, a Organização das Nações Unidas previu
que a temperatura terrestre ainda aumentará em 4,8º C até 2100.
Esse aumento é provocado pela exploração desmedida dos recursos da
natureza, tais como o carvão e o petróleo que acabam elevando a
emissão de gás carbônico na atmosfera. Da mesma forma, a atividade
agropecuária amplia consideravelmente a emissão de gases que
agravam o fenômeno.
Algumas
das possíveis consequências do aquecimento global já são
vivenciadas por milhões de pessoas no mundo. Atualmente, diversos
países enfrentam o desaparecimento de áreas costeiras devido ao
aumento do nível do mar. Nota-se igualmente a multiplicação do
número de tempestades, furacões, inundações e das secas
prolongadas em várias partes do globo. Um dos resultados de todos
esses fenômenos é o surgimento dos chamados refugiados ambientais
que, por sua vez, representam uma nova categoria com a qual a
comunidade internacional ainda não sabe lidar.
Como
é possível que tenhamos tantas informações acerca do aquecimento
global provenientes da comunidade científica, bem como dados acerca
de seus efeitos e ainda não tenhamos adotado mudanças drásticas em
nossos modos de vida? A resposta para tal pergunta encontra-se no
discurso ou, melhor dizendo, no poder do discurso.
Muitas
empresas e indústrias, ávidas pelo aumento constante de seus
lucros, dependem dos recursos naturais para continuar prosperando.
Sendo assim, muitas delas exercem grande influência sobre vários
representantes políticos e a mídia para que estes passem a atuar a
seu favor. Portanto, os discursos político e econômico se aliam
contra o discurso científico a fim de gerar afirmações que neguem
a existência ou a gravidade dos efeitos do aquecimento global. Há
uma luta constante entre os interesses privados e os interesses da
coletividade e é no discurso que essa batalha feroz se materializa.
Dois eventos recentes, acompanhados pelo mundo inteiro, são claros
exemplos da manifestação dos interesses nos atos discursivos. São
eles: o Acordo de Paris e as eleições americanas.
Em
outubro desse ano, foi regulamentado o Acordo de Paris no qual 195
países se comprometeram a tomar medidas para reduzir as emissões de
gases do efeito estufa até 2025/30. O objetivo é manter a
temperatura média global abaixo de 2º C. Essa é uma meta ambiciosa
que lhes demandará ações de longo e curto prazo, tais como: a
redução do desmatamento, a priorização do transporte público, o
investimento em fontes de energia renováveis, a modernização de
processos industriais, a redução da produção de lixo, o
aperfeiçoamento das técnicas de reciclagem ou ainda, a melhoria das
práticas agropecuárias. Além de todas essas mudanças, será
necessária a contínua articulação dos interesses econômicos e
políticos desses países para que possam atuar conjuntamente no
sentido de proteger o meio ambiente.
No
próximo ano, teremos nos Estados Unidos, segundo maior emissor de
gases poluentes na atmosfera, o novo presidente americano Donald
Trump. Para muitos, o novo líder político coloca em sério risco os
debates acerca das discussões climáticas. Ainda não se sabe como
serão os seus discursos político e econômico em face às demais
nações e, sobretudo, quais serão as suas atitudes em relação ao
Acordo de Paris.
Percebe-se
que, como dito no início do texto, as medidas individuais não são
suficientes para amenizar os efeitos preocupantes do aquecimento
global. A atuação dos Estados é vital para garantir a manutenção
da vida na Terra. Logo, é necessário que todos passem a se
interessar pela articulação dos discursos e pelos efeitos práticos
que produzem na realidade, em especial, no meio ambiente. Deveríamos
escolher representantes políticos que tenham em sua pauta medidas
para a preservação do Planeta. Não podemos mais perpetuar o culto
ao individualismo ou o menosprezo à coletividade. As decisões de
cada indivíduo que, aparentemente, geram impactos mínimos e
restritos, se somadas, acabam gerando repercussões negativas na vida
de todos, principalmente no que diz respeito ao direito de todos os
seres a um meio ambiente saudável. Como bem nos rememorou o Papa
Francisco: essa é a nossa casa comum. Se pensarmos bem, essa é a
nossa única casa.
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